Os cronistas que se debruçaram
sobre o assunto [Al-Wazahari Nilufar, Serguei Kovinev e Java Kharlilah, para
quem a história depende exclusivamente dos heróis] concordam que a data de
hoje, estabelecida para uma tempestade que teria jogado um navio de cinquenta
braças contra as praias arenosas do Lago Balkash, é completamente arbitrária. Desde
o primeiro registro [o de Nilufar] o barco já estava lá havia muito, sem que os
moradores da aldeia ao lado soubessem quanto.
O episódio não teria importância,
se os aldeões [nem eles sabiam desde quando] não tivessem o hábito de trocar as
madeiras podres do barco, substituindo-as por novas. Até que em certo momento não
havia mais madeiras originais no navio. Os letrados do Reino detonaram uma discussão:
o navio continua o mesmo ou trata-se de
outro navio?
A Escola de Shmharkkand defendia
que o movimento não existia, a essência das coisas permanece e o barco era,
sim, o mesmo dos tempos do seu infeliz e desconhecido dono. Os cadetes do Grupo da Mudança Inelutável afirmava que
a essência se encontra na substância das coisas, e se a substância muda, a
coisa também mudará. Como a madeira não era a mesma, o barco também era outro.
A discussão passou dos previsíveis
panfletos, artigos e palestras, e quando chegou às facadas o Vizir as proibiu. Java
Kharlilah afirma que, se não fosse o teimoso Vizir, já teríamos hoje uma
resposta exata, embora tal otimismo esteja longe de ser unânime.
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