Quando o Xamã
Rachid Uminiso morreu os demônios vieram buscá-lo. Durante toda sua vida [longa
como sua barba] argumentara que os deuses [Zeus, Brahma, Alá e Deus-Pai] não se
importam com os homens, do mesmo modo que
estes não se importam com as formigas. [Era 15 de agosto de 1469].
Vieram
devagar, e sequer perturbaram o sábio que, ignorando o seu estado, levantou-se
da cama onde a doença o fulminara e se pôs a escrever. Acrescentou mais dois
capítulos ao seu novo ensaio De como a
indiferença dos deuses não é maldade, é só indiferença e pediu o almoço. Um
demônio disfarçado de cozinheira lhe serviu uma perdiz na manteiga, que
saboreou como sempre, embora a sentisse um pouco mais amanhecida que o normal.
E durante os
dias seguintes os demônios lhe foram tirando coisas, primeiro os lápis, depois
um maço de pergaminhos, o tamborete favorito e em algum tempo nada tinha onde escrever
a não ser em uma tábua e em costas de papéis já usados – e não tinha consciência
da crueldade das palavras que colocava neles.
Reduzido a um
estilete e um pedaço de papiro manchado, finalmente conscientizou-se [embora não
de todo] que partira desde mundo. Concluiu seu último tratado sem mudar uma vírgula
de suas ideias. E finalmente tudo foi retirado exceto as paredes.
Depois de
colocar o ponto final, escreveu: alguém
bate à porta. [Não se sabe se abriu ou não, sendo esta a última frase que deixou
escrita].
Nenhum comentário:
Postar um comentário