quinta-feira, 15 de agosto de 2013

15 de agosto

Os Diabos

Quando o Xamã Rachid Uminiso morreu os demônios vieram buscá-lo. Durante toda sua vida [longa como sua barba] argumentara que os deuses [Zeus, Brahma, Alá e Deus-Pai] não se importam com os homens, do mesmo modo que estes não se importam com as formigas. [Era 15 de agosto de 1469].

Vieram devagar, e sequer perturbaram o sábio que, ignorando o seu estado, levantou-se da cama onde a doença o fulminara e se pôs a escrever. Acrescentou mais dois capítulos ao seu novo ensaio De como a indiferença dos deuses não é maldade, é só indiferença e pediu o almoço. Um demônio disfarçado de cozinheira lhe serviu uma perdiz na manteiga, que saboreou como sempre, embora a sentisse um pouco mais amanhecida que o normal.

E durante os dias seguintes os demônios lhe foram tirando coisas, primeiro os lápis, depois um maço de pergaminhos, o tamborete favorito e em algum tempo nada tinha onde escrever a não ser em uma tábua e em costas de papéis já usados – e não tinha consciência da crueldade das palavras que colocava neles.

Reduzido a um estilete e um pedaço de papiro manchado, finalmente conscientizou-se [embora não de todo] que partira desde mundo. Concluiu seu último tratado sem mudar uma vírgula de suas ideias. E finalmente tudo foi retirado exceto as paredes.

Depois de colocar o ponto final, escreveu: alguém bate à porta. [Não se sabe se abriu ou não, sendo esta a última frase que deixou escrita].

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