Alimova Farhod dividiu o próprio
destino em dois. Homem comum, vestia o paletó e o colarinho, passava manteiga
em três torradas ao café, e encostava os lábios na testa da mulher enquanto
pensava no horário do bonde e na velocidade na qual teria de correr para pegá-lo.
O dia 29 de agosto de 1914 abalou
sua rotina quando se encontrou consigo mesmo numa esquina dobrada. Não precisou
de caldeirões mágicos, brincadeiras de copo ou clima de mistério: era ele
mesmo.
Não se olhou nos olhos [teve
vergonha – nunca se achou bonito e mal se mirava ao espelho]. O outro não
devolveu nenhum olhar. Barbado, roupas em desalinhamento quase que estudado, o
segundo Alimova deixava aparecer [talvez propositalmente] uns cabeçalhos de
panfletos políticos onde se lia Abaixo a Guerra! [a Primeira Mundial estourara
dias antes].
Alimova nunca mais viu o Sombra
[como o chamou]. Dedicou-se [escondido da esposa e de tudo] a imaginar uma vida
para ele, um Outro revolucionário, amante e viajador.
Só se soube de sua [estranha]
atividade quando [a 29 de agosto de 1944, em outra guerra] desapareceu em algum
ataque a tanques alemães em algum charco na Polônia. [E seus papéis foram
publicados não sem repercussão]. No mesmo dia, o comunicado oficial informou
que outro Alimova Fahrod também desapareceu, um traidor nas linhas inimigas. A [óbvia]
versão oficial é que foi mera coincidência, e que o Sombra não existe.
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