Da guerra de sempre
Durante 999 anos Amhitar combateu
os Bárbaros [e a simetria do número não deixa de causar suspeitas]. Não que
esse combate fosse contínuo: não foram poucos os decênios [ou séculos] em que
paxás e xeques sequer se referissem aos Gulkahyos
[assim eram chamados], para que logo depois surgissem como ameaça. Casamatas eram
construídas, soldados eram convocados, manobras se faziam, sentinelas desabavam
de sono nas ameias – e os Bárbaros [ou a presença deles nos discursos] sumia.
Antes de sumirem [no entanto] tropas
retornavam de alguma batalha a dois mil quilômetros com bandeiras inimigas [na
verdade trapos que alguns (sem coragem de dizê-lo) assemelhavam a estopas]. As
histórias de massacres e estupros do cruel inimigo e da vitória final de nossas
tropas ocorriam não sem certa monotonia.
A oposição [sempre há uma] é
brutal: os Bárbaros não existiam. Sua finalidade única era promover generais e
enriquecer empreiteiros de fortes e estradas. A própria estupidez do nome seria
prova: Gulkahyo [no quinto subdialeto
Khazyr] significaria Os que
chocam galinhas.
Os patriotas contestam: para eles
a aparente tolice de tal nome é mais uma prova, pois Bárbaros são estranhos, e
nada mais estranho que chocar uma galinha ao invés de um ovo [como acontece nos
países civilizados].
Esse argumento [de maneira não de
todo injustificada] é tido por pouco convincente.
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