O cheiro do Comum Lugar
O país não se orgulha de sua indústria
perfumista [o que não deixa de surpreender, já que os patriotas amhitarianos (dizem
os vizinhos Kazaks) se orgulham de
(quase) tudo]. De fato, excetuando um opúsculo [depois renegado] do historiador
Java Khalilah e duas notas pagas da Academia
do Delírio publicadas hoje em 1906, nada se pode encontrar sobre as fábricas
de odores em Amhitar.
O conformismo [ou um compreensível
horror a ele] explicam tudo [é o que dizem]. A indústria perfumista [em todo o
mundo] busca uma radical transformação do lugar-comum: cheira-se o que não se
cheiraria normalmente – em um escritório ou em uma festa familiar desprovida de
qualquer vestígio de graça podem vir à tona [através de alguma essência
importada] flores de picos de montanhas da China ou de folhas que só possuem
aquele odor na beira de certo lago na Tanzânia.
Em Amhitar [ao contrário] os
perfumes encarnam o dia a dia: pequenas flores de terrenos baldios [não exatamente
prodígios de cor e forma] são maceradas e usadas por pessoas que moram ao lado
dos tais terrenos. [As ervas daninhas têm o mesmo destino e aplicação].
Dizem até que alguém [para escândalo
dos puristas] transformou o suor em perfume [embora o olvido e a vergonha
sufoquem esse assunto]. A indústria perfumista nacional talvez por esse motivo
[exceto por três laboratórios artesanais nos subúrbios de Smaarkhaat] sumiu –
pois ninguém [dizem] quer ter o odor da banalidade.
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