O Secretário-Geral do Partido abriu
hoje em 1936 o Congresso Mundial e
Universal das Inexistências recusando-se a desejar boa sorte aos
participantes, pois isso de boa sorte é
uma realidade não-existente e as realidades não-existentes são proibidas.
O Congresso não teve origem na
megalomania mas na fraqueza. Um relatório secreto [logo vazado para o público]
do Comitê Central revelara que uma parcela não pequena da população acreditava em coisas que não se podem ver nem tocar, tornando-se
premente uma ação para combater este surto de não-objetividade.
Na tribuna sucederam-se matemáticos,
especialistas em embalagem, técnicos em resistência de materiais, fisioterapeutas,
engenheiros de locomotiva e uma pletora de profissionais acostumados à dureza
do mundo e do ferro. Os títulos das palestras variaram de Por que o lobisomem é um mito; Malefícios
de se contar tolices sobre Cinderela para as meninas; Desejar Boa Viagem é um desserviço; Como deixar de colocar vassouras
atrás de portas para se livrar de visitas importunas além das inevitáveis Do não-realismo de qualquer divindade e Por que não existe nada que não se possa
ver, exceção feita ao vento.
Nove dias depois uma chuva de
aplausos marcou o fim do congresso. O único senão [dizem] foi que, ao sair, uma
autoridade olhou as nuvens cinza e falou Talvez
tenhamos boa sorte e não chova.
- Tomara mesmo – disse outro e bateu três vezes na madeira.
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